domingo, 1 de outubro de 2023



Sabia que não podia ser dele. Desde o princípio dos tempos.
Fez sua prece à chuva que caía, à noite, mãe que abriga todos os segredos.
Pediu que fosse possível sentir seu toque, sonhar junto.

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Entreferida

Vinha a fresta.

Lucidez depois de tanto esforço de remendo.

A carne ainda ardia, vermelho sangue. 

Precisava caminhar, sentir o vento no rosto, soprar com afago as feridas da alma. Um somatório delas. 

Não era só o corte de um amor bonito que iniciava brotação, ansiava por florir. Doía saber com a alma que no fundo estava só. Saber de repente, muito . Era o afastar-se de todo o amor que deveria ser casa a condição para se manter viva.

Por tantos anos havia apenas sobrevivido. Indigna de estar no mundo. 

Ansiava por casa. Não era sobre ser rejeitada mais uma vez. Era sobre não ter morada, não ser morada.

Habitar o entrecaminho dos destinos nenhuns.

Aos oito anos, talvez sete, transitava por ruas tão bonitas. Noite fresca, luz quente. Árvores floridas nos quintais. Varandas espaçosas em prédios familiares. Silêncio quebrado apenas pela voz da mãe, que contava sobre alguma história da infância. Era esse momento toda a morada de que precisava.

Tinham que retornar ao lugar hostil onde habitavam. Ele estaria transtornado por não saber onde estiveram. Talvez iniciasse novamente os gritos. Ela seria de novo imprensada feito rato contra a parede para o abate. Puxaria uma faca. O sangue escorreria do braço dele. Nada a ser feito senão gritar e correr.


sábado, 19 de agosto de 2023

Noite de estrelas encantadas. Era a visão do infinito enquanto só restavam as angústias a apertar o coração, fazer chorar. Ela inventava. Podia tocar o céu, inaugurar novas vidas, contar segredo às estrelas. As plantinhas,  árvores, flores ao seu redor eram companhias no afago da penumbra e da luz da rua. Sonhava amores, fartura, bons tempos. Refazia as conversas da escola. Revisitava seus amigos, seus amores, suas vergonhas, alegrias. Queria ser querida, sentir o amor das pessoas a sua volta. Sempre fazia o mesmo pedido em suas orações: ser feliz e fazer com que todos ao redor também fossem felizes, em uma onda infinita, que a felicidade fosse de todos. Pensava com todo o coração, desejava com toda força que descobrira possuir.

Tinha sorte. Sabia. Não tanto quanto um dia descobriria ter.

Era amada. Do jeito que podiam amar, que sabiam. Também não lhes havia sido ensinado. Faziam o melhor que podiam.

Logo a novela acabaria e a voz de sua avó ressoaria a lhe chamar, pela porta da varanda. A avó também compactuava do encantamento das estrelas. Abraçava apertado, pedia que nunca deixasse de ter aquela ternura pelas pessoas.

terça-feira, 16 de maio de 2023

 Andava exausta. Sabia que não era apenas a rotina. Passos apressados, juntando-se a muitos outros, por todos os lugares, cortando a cidade. Sua mente estava um caos. Seus sentimentos acompanhavam a urgência de seus passos. Desejava-o como se é possível desejar alguém em abismo, à beira da insanidade. Amava-o. E doía até não mais se alcançar o chão. Precisava seguir. Sem caminho. No compasso do não poder ser. De exausto desamor.


terça-feira, 25 de abril de 2023

Dor,  tanta!
Não deveria ser permitida
Rompe o juízo
Só se quer rasgar o peito
Com o grito mais agudo
Com desespero genuíno

Não cessa
Pulsa
Jorra
Mistura
Rompe tudo

Paralisa a lógica
E só se é caos

terça-feira, 11 de abril de 2023

Sobre caminhos e liberdade

 A vida é abertura infinita para todos os caminhos. Cerceada de morte. Impulsionada pela morte.

Morrer é parte de viver. Todos os dias morremos para algum caminho e vivemos para outros. 

Liberdade é ter consciência de que escolhemos a estrada. 

sábado, 8 de abril de 2023

 Ela estava perdida. Atravessava a cidade todos os dias. Sentia-se feliz com todo aquele fluxo de pessoas e paisagens familiares. Era um cenário seu, vivo, cheio de possibilidades. 

Ainda assim a angústia lhe doía. Era como se todos os caminhos a salvassem e em mesma medida a amaldiçoassem. Queria que a levassem a ele. Ainda que essa fosse sua perdição. 

Aquela figura incapturavel, em movimento, perigo de loucura. Queria senti-lo ali. Vê-lo, tocá-lo, ser dele. Queria partilhar corpo, sede, existência. Abrigá-lo em si. Ser fluxo de vida junto com ele.

Isso se deve nomear? Está no suprasenso de todo o entendimento. 

Amor.

Dor. Calor. Sabor. Torpor. Dissabor.

A fortuna, que sempre a abençoara, agora a observava de longe a trilhar trágico destino.

Ele não lia a poesia do mundo, nem dela.

Vivia em outro ponto da cidade, onde o mar salgava os espíritos de praticidade e vaidade.

Estava perdida.

Os caminhos ensinam sobre o abismo e regresso a si mesmo. Perder-se também é busca por achar-se.

A roda girava movendo caos, trens, ônibus, carros, paisagens suas. Encontros.




quinta-feira, 6 de abril de 2023

 

Sinto fome. Me consome. A ânsia de te ter. Tocar sua pele. Ser toque. Dançar com o ritmo do seu corpo. Queimar com seu calor. Ser êxtase, vibração, impulso, fluxo. 

Trânsito entre dois corpos. Contato entre almas que se devoram. Que se reencontram. Amantes. São início e fim. São todo o universo em um único ato.

Não sei fazer poemas de amor.

Cultivo apenas a Tristeza, companheira dos sorrisos.

Eis que surge, com a despretensão dos destinos,

Sua imagem a enfeitar meu dia, alma em radiância, 

Foto, distante, alheia, sem mim.

Sorrio. Converte-se em linda figura da minha dor. 

A ti, desejo-lhe, de pronto

Apenas toda a existente alegria.