quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A minha frente, o mundo põe-se em armas. Meu passado de cacos pontiagudos faz brotar gotas escarlates em meus dedos viajantes.
Sobra-me a vida a brotar, mesmo sem permissão, ainda sem promessas e o desejo do infinito, do disforme, do   nada absoluto, onde a risada do louco se faz audível.
Tímidas palavras a rasgarem o horizonte límpido do papel. Fino fio de navalha a cortar a língua e fazer jorrar sangue de alma. Por este mar escarlate é preciso que se navegue... nos confins se achará vida e morte a jorrar em uma dança elemental. É o ritmo da poiesis que se desmitifica no sacrifício do corpo e do sangue, consagrando-se a ti, leitor.

Murmúrio

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!
(Cecília Maireles)